segunda-feira, 21 de julho de 2014

Boto não é isca

Boto não é isca

Das centenas de mamíferos que povoam a Amazônia, um animal quase sempre vem à mente de todo brasileiro quando falamos de nossa maior floresta. A beleza, inteligência e graciosidade, aliadas ao folclore que o rodeia, transformam o boto vermelho (ou cor-de-rosa para outros) em um ícone da cultura e biodiversidade brasileiras.

Esse cetáceo endêmico da bacia amazônica, apesar de protegido pela lei brasileira desde 1987, está sendo morto de modo extremamente cruel. Sua carne está sendo utilizada para pescar um tipo de bagre conhecido como piracatinga (Calophysus macropterus).
Esse peixe, praticamente um urubu aquático porque come restos de animais mortos, não tem muito valor, digamos, gastronômico para a população da Amazônia, que já conhece sua fama. Mas está sendo vendido filetado e congelado para outras regiões do país sob outras denominações: douradinha, pintadinha, piratinga, pirosca, pati, pati-bastardo, piraquara, piraguaruga.
Fora do Brasil, ele é exportado principalmente para a Colômbia, onde enganosamente é vendido como capaz ou capacete, um peixe apreciado pelos colombianos, mas que está se tornando escasso devido à sobrepesca.

Uma morte cruel

Desde que a pesca da piracatinga ganhou valor comercial, há pouco mais de dez anos, estima-se que a população de botos vem se reduzindo a uma taxa de 10% ao ano. Apesar de não constar na lista oficial de animais ameaçados do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), não é difícil imaginar o risco que ele corre. O boto vive até 30 anos, começa a se reproduzir por volta dos cinco, e tem apenas um único filhote a cada dois a quatro anos.
A caça ao boto é extremamente cruel. Os animais são presos nas redes e arpoados até a morte. Outro método é ferir o animal com o arpão e amarrá-lo pela cauda a um tronco de árvore, até que o pescador precise utilizá-lo como isca. Nestes casos, os botos podem demorar vários dias para morrer, lutando para se libertar, com fome e extremo sofrimento.
Posteriormente, a carne em decomposição é colocada em caixas de madeira chamadas de curral, atraindo uma grande quantidade de piracatinga. O peixe então é capturado nessas caixas e retirado à mão pelos pescadores.

Moratória não é a única solução

Em uma tentativa de conter a morte dos botos, o Ministério da Pesca e o Ministério de Meio Ambiente brasileiros estabeleceram no dia 22 de maio uma moratória para a pesca do piracatinga. Essa moratória se iniciará em janeiro e terá uma duração de cinco anos.
Apesar de ser uma medida que pode ajudar a combater a matança cruel dos botos, é difícil acreditar que, sozinha, ela consiga resolver o problema complexo, que atravessa fronteiras. 
Afinal, matar boto já é ilegal no Brasil há 27 anos, e nem por isso esse cetáceo esta a salvo.
Precisamos de uma solução definitiva e efetiva para salvar o boto. É preciso fiscalizar frigoríficos e fronteiras para garantir que o piracatinga deixe de ser exportado irregularmente para a Colômbia ou outros países da América Latina. É preciso reforçar a polícia ambiental e punir os responsáveis pela morte do boto. É necessário trabalhar com as comunidades ribeirinhas a ajudá-las a entender a importância deste mamífero, o risco que ele está correndo e que o boto, vivo, pode ser um aliado a seu desenvolvimento.